4 de abr. de 2013


Publicamos abaixo entrevista do senador haitiano Jean Charles Moise ao Jornal O Trabalho.

“Os haitianos estão privados de soberania”
Senador do Haiti fala sobre a presença das tropas da ONU 

No próximo dia 14 chega ao Brasil o senador haitiano Jean Charles Moise. Até o dia 20 ele participará de atividades em Brasília, São Paulo e Juiz de Fora. Moise vem a convite do Comitê “Defender o Haiti é Defender a nós mesmos”, e é um dos que convocaram, em outubro do ano passado, como membro da delegação internacional que foi a ONU exigir a retirada imediata das tropas do Haiti, a Conferência de 1º de junho, que ocorrerá em Porto Príncipe, capital haitiana. Em entrevista a Bárbara Corrales ele falou a Jornal O Trabalho.
  
O Trabalho - Você foi autor de uma resolução aprovada no Senado que estabelecia uma data para a retirada das tropas. Diga-nos o que se passou ? 
Jean Charles Moise - Em 20 de setembro de 2011, apresentei uma resolução, aprovada pelo Senado da República do Haiti, que reclamava a retirada progressiva, ordenada e definitiva das forças da Minustah. Ela previa também a reparação para as vitimas do cólera, introduzido no Haiti por soldados da ONU e que custou a vida de mais de 10 mil haitianos. A resolução exortava a ONU a indenizar os jovens haitianos vítimas de estupro e de enforcamento por parte de soldados da Minustah, prevendo também, enfim, um aumento dos efetivos da Polícia Nacional do Haiti e sua profissionalização no quadro do reforço desta instituição nacional encarregada de garantir a segurança de vidas e bens.
A resolução foi transmitida ao presidente Michel J. Martelly que simplesmente a ignorou, quando ele tinha feito da retirada da Minustah uma promessa eleitoral. A mesa do Senado lhe pediu expressamente publicar a resolução no jornal oficial ( « Le Moniteur ») e que a transmitisse ao secretário geral das Nações Unidas. Diante do mutismo do presidente da República, eu mesmo apresentei e transmiti uma cópia da resolução ao responsável pelo órgão encarregado do dossiê Haiti na ONU, quando de minha passagem em Nova York por ocasião do encontro de uma delegação haitiana com os membros do referido órgão.
A situação não evolui como eu esperava. Foi o que explicou a minha participação na manifestação organizada diante da sede da ONU para dar impulso à mobilização em torno desse assunto.

OT – Como vê a campanha internacional pela retirada das tropas e a delegação à ONU? 
JCM - Participei da manifestação organizada no quadro da campanha internacional para sensibilizar a opinião pública internacional sobre a necessidade de retirada das tropas da ONU. Recordemos que o Haiti é o primeiro país negro independente no início do século 19. Nossos ancestrais combateram com o preço de seu sangue para nos legar esse pedaço de terra como herança. As inconsequências de nossas elites, combinadas à ingerência estrangeira, nos fizeram conhecer várias ocupações. Essa última ocupação, que não diz o seu nome, é inaceitável porque priva o povo haitiano de sua soberania. Além disso, ela ataca nossa dignidade como povo, de um lado, porque é acompanhada de estupros, com toda impunidade, de nossos rapazes e moças, como por exemplo os casos de  Johny Jean em Port-Salut e Rudy Jean em Gonaïves, e de outro porque ela assassinou mais de 10 mil haitianos ao introduzir o cólera no país. 
Queremos recuperar nossa dignidade de povo. Apreciaremos de forma positiva todo apoio, toda a forma de solidariedade dos povos irmãos neste sentido.

OT – Como a  conferência de 1º de junho poderá ajudara luta do povo haitiano? 
JCM - No Haiti, muitos setores organizaram manifestações contra a ocupação e eu creio que a opinião pública haitiana compartilha a idéia de uma retirada gradual das forças da Minustah, em paralelo com a aplicação de políticas de reforço da Polícia Nacional do Haiti. Neste sentido a conferência de 1º de junho pode contribuir a nos apoiar nessa luta demonstrando a solidariedade ao combate do povo haitiano pela reconquista de sua soberania, por um lado, e por outro, adotando resoluções nesta direção.
A conferência pode também contribuir para sensibilizar a opinião pública internacional.

OT - Quais suas expectativas sobre sua visita ao Brasil ? 
JCM - Penso que minha visita ao Brasil vai permitir sensibilizar os brasileiros sobre o que se passa no Haiti em matéria de má governança e de derivas anti-democráticas, dinamizar nossa relação com certos companheiros, desenvolver laços de solidariedade e de parceria para fazer avançar nossa luta por um Haiti sem ocupação. Minha visita se inscreve no quadro de um intercâmbio fraterno sobre a situação sócio-política e sócio-econômica dos dois países tendo em vista uma melhor compreensão do sentido de nossa luta.   


fonte: jornalotrabalho.com.br

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