19 de jun. de 2012

Capacetes azuis brasileiros perturbam as aulas na Faculdade de Ciências Humanas


Haiti – Universidade/Minustah:
Capacetes azuis brasileiros perturbam as aulas na Faculdade de Ciências Humanas

Porto Príncipe, 18 de junho de 2012 [AlterPresse] – Militares brasileiros da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah) tentaram, por três vezes, penetrar no dia 15 de junho no recinto da Faculdade de Ciências Humanas (Fasch) da Universidade do Estado do Haiti, provocando perturbação das aulas e desordem, que tiveram como saldo a quebra de vários para-brisas de carros, constatou a agência AlterPresse.
“Não sabemos a razão desta visita delinquente e inoportuna. Foi um pânico generalizado. Não sabíamos a quem recorrer”, declarou o coordenador da faculdade, Hancy Pierre, à AlterPresse.
Pierre acredita, porém, que “eles se enganaram de endereço. Eles devem ir ao Palácio Nacional, como força de ocupação, para fazer a segurança do presidente Michel Martelly. É uma vergonha para o país”.
A Associação dos Comunicadores e das Comunicadoras Populares (Akp), o Círculo Gramsci e o Círculo de Estudos e de Intervenção no Trabalho Social (Ceits), com sede na Fasch, condenaram conjuntamente “a agressão da Minustah contra um espaço inviolável do país e reclamam uma explicação aceitável das autoridades do país”.
“Estamos prestes a encerrar o período letivo. Eu me pergunto se esses ocupantes vieram para assistir às aulas. De toda maneira, eles deveriam antes passar nas provas para entrar na faculdade. E suas armas não são canetas para tomar notas”, ironiza Pierre, ainda que visivelmente nervoso.
O coordenador convidou o presidente Martelly “a utilizar os soldados da Minustah, especialistas em violações, roubos e cólera, na sua segurança no Palácio Nacional, em vez de deixá-los perturbar as atividades daqueles que fazem a educação com E grande”.
Pierre assinala que a faculdade pretende exigir explicações do Conselho Superior da Polícia Nacional, porque “a força de ocupação não pode vir intimidar os estudantes depois de haver contaminado o país com o vírus da cólera e violentado mulheres e homens”.
“Nós não aceitamos este disparate da Minustah. Não vamos tolerar que venham asfixiar nossas mulheres e nossas crianças com gás lacrimogêneo. Se vierem provocar os estudantes na faculdade mais uma vez, todo o bairro reagirá. Não havia nenhuma desordem no bairro”, avisa Dieunord Joseph, morador do beco Le Hasard, onde se situa a Fasch.
Eles sabem muito bem que não se pode penetrar no recinto de uma faculdade com armas”, continua Joseph.

Os fatos da agressão - Os estudantes assistiam tranquilamente a suas aulas quando foram alertados da presença dos “visitantes indesejados”. Era por volta das 11 horas da manhã. Pânico geral. As aulas foram interrompidas.
Diante dos soldados, os estudantes fecham o portal. Nervosos, os brasileiros atiram balas de borracha e lançam uma granada de gás lacrimogêneo para o interior da faculdade, quebrando, entre outras coisas, persianas.
“Não deixamos de lembrá-los de que não há ninguém a violar na Fasch e que não temos necessidade de que eles venham nos infectar com a cólera”, explica uma estudante à AlterPresse.
Uma colaboradora da AlterPresse no interior do consórcio de mídia “Ayiti Kale Je” se vê obrigada a interromper a aula de jornalismo investigativo que dava a estudantes de comunicação social.
Quase 14 horas. Os militares voltam à carga. Eles deixam o jipe na avenida Christophe e sobem a pé a pequena colina que dá acesso à faculdade, munidos de capacetes, escudos e mantos. E, uma vez mais, a barreira da faculdade é fechada.
“Nós íamos enfim conseguir o quórum de 30 delegados para poder realizar a assembleia mista e decidir sobre o processo eleitoral e outras questões relativas à faculdade, quando eles (os soldados) vieram estragar tudo”, explica o professor Roosevelt Millard, membro da direção da assembleia mista representativa da Fasch.
Quase 16 horas. O terceiro horário de aulas deve começar. Alguns estudantes e funcionários traumatizados, temendo represálias por parte da força da ONU, já deixaram o recinto da faculdade. Outros, reunidos em pequenos grupos, discutem. “O que eles vieram fazer exatamente?”, pergunta um deles.
Os professores chegam, entre os quais Ary Régis, que se espanta ao saber da visita dos capacetes azuis da ONU. “Mas... o que eles vieram fazer?” questiona-se o professor de grandes olhos, atrás do volante do seu carro.
Essa questão está em todas as bocas e parece não encontrar resposta.
Todo mundo está na sala. Mais de uma dezena de aulas estão para se iniciar, quando se veem estudantes a correr em todas as direções. “Minustah! Minustah! Minustah! Eles voltaram para nos atacar!”, gritam. E as salas de aula se esvaziam.
Mais uma vez... soldados brasileiros da Minustah voltam e tentam entrar na faculdade. A barreira novamente é fechada. Eles permanecem mais de trinta minutos em posição de tiro. E chovem xingamentos da boca dos estudantes. “Vão embora! Vão meter a paz em seu país! Vão acalmar a desordem nas favelas! Deixem-nos estudar. Não há cabritos para roubar! Não há mulheres e rapazes para violar aqui. A Fasch é um espaço inocupado”, gritam os estudantes.
Vaval Josué, professor do Departamento de Psicologia, quer sair para falar com eles. Várias pessoas o dissuadem, com medo que ele não seja bem tratado pelos soldados, que já haviam ameaçado um estudante que filmara uma parte da cena da manhã.

A Fasch, um desafio para a Minustah - Desde o desembarque da força da ONU no país, em 2004, várias personalidades da Fasch, entre as quais o professor Jan Anil Louis-Juste, assassinado em 12 de janeiro de 2012, qualificaram sua presença como “ocupação”.Varias organizações estudantis manifestaram abertamente sua hostilidade à presença da Minustah, por meio de notas de imprensa, cartazes, bandeiras ou faixas erguidos na entrada da faculdade.
Um painel com as letras UN (de ONU) riscadas, ocupou durante muito tempo a entrada da faculdade.

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