14 de jun. de 2013

Agora, já: Retirada das tropas de ocupação da ONU do Haiti!

Em 31 de maio e 1º de junho, realizou-se em Porto Príncipe, capital do Haiti, a Conferência continental pela retirada das tropas da ONU. Reunindo 140 delegados de dezenas de organizações sindicais e populares haitianas e de outros nove países (Argentina, Argélia, Brasil, El Salvador, EUA, França, Guadalupe, Martinica e México), a conferência foi palco de uma rica discussão que reforçou a unidade, no Haiti e no plano internacional, em defesa da soberania do povo haitiano e na exigência da imediata retirada das tropas que ocupam o país no quadro da Missão das Nações Unidas de Estabilização do Haiti (Minustah).
Nestas duas páginas, trazemos um resumo dessa jornada internacionalista que constitui um sólido ponto de apoio para a continuidade da campanha até a retirada definitiva das tropas da ONU do solo haitiano.   

Uma discussão apaixonada
A conferência foi inaugurada na manhã do dia 31, com uma saudação a todos os participantes de Fignolé Saint-Cyr, secretário geral da Central Autônoma dos Trabalhadores do Haiti (CATH), em nome do comitê organizador haitiano, e a apresentação das delegações internacionais.

Em seguida quatro painéis abriram a discussão. O primeiro, sobre a história das ocupações militares que o Haiti sofreu desde a sua independência em 1804, quando os escravos negros libertaram o país do colonialismo francês, passando pelas ocupações feitas pelos EUA desde 1915, até a situação atual, em que as tropas da ONU, cujo comando militar foi dado ao Brasil, entraram no país em 1º de junho de 2004 para ficar 6 meses e lá continuam há 9 anos!

Em seguida, Camille Chalmers, do movimento PAPDA, explicou que a ocupação do Haiti faz parte da política geral de dominação do imperialismo dos EUA, que utiliza os governos da América Latina com tropas na Minustah para defender os interesses das multinacionais instaladas nas zonas francas. E para defender os governos impostos por Washington que se sucedem no Haiti desde 2004, como o do atual presidente Martelly.

Jean Ronald Fatal, secretário geral da Confederação dos Trabalhadores do Setor Público e Privado (CTSP), falou sobre o desrespeito à Constituição haitiana que significa tal ocupação militar. Por fim, o senador Jean Charles Moise (que em abril fez um giro no Brasil e Argentina) apresentou a resolução de sua iniciativa, adotada por unanimidade pelo Senado do Haiti em 28 de maio, que exige a retirada das tropas da ONU até o prazo máximo de 1 ano.

Aberta a discussão, sucederam-se testemunhos dos delegados e delegadas haitianos sobre a realidade da Minustah a qual, ao contrário da propaganda da ONU que seria uma missão de “paz” ou “humanitária”, se desdobra em atentados aos direitos humanos, repressão às manifestações sindicais e populares, proteção da minúscula elite local e dos interesses das multinacionais, até a introdução da epidemia de cólera por soldados da ONU vindos do Nepal, que ocasionou nove mil mortos.  Quando do terremoto de janeiro de 2010, as tropas da ONU ficaram aquarteladas e a população teve que se socorrer sem qualquer ajuda da “missão humanitária” e, ainda hoje, há 300 mil haitianos que vivem em tendas precárias.

“Ministah ale”: Fora Minustah!
Na tarde do mesmo dia 31, os trabalhos foram suspensos para a realização de um ato público na praça central da cidade, chamada Campo de Marte, onde mais de 500 pessoas se reuniram ao pé da estátua de Dessalines (herói da independência do Haiti), cantando “Ministah ale, pa ale, pa ale” (fora Minustah), gritando palavras de ordem e aplaudindo calorosamente os delegados internacionais que tomaram a palavra e o senador Moise que os apresentava (veja repercussão na página ao lado).

Retomados os trabalhos na manhã de 1º de junho, data do 9º aniversário da entrada das tropas da ONU no país, a primeira intervenção foi a do secretário geral da Central dos Trabalhadores da Argentina (CTA), Pablo Micheli, que declarou ser “uma vergonha que governos de países da América Latina, como o do meu país, mandem tropas para ocupar o Haiti, primeira república negra independente que tanto ajudou Bolívar e San Martin na luta de nossos povos contra o colonialismo espanhol”. Sucederam-se intervenções de delegados internacionais e haitianos.

Salim Labatcha, secretário geral da Federação dos trabalhadores da indústria agro-alimentar e deputado nacional pelo Partido dos Trabalhadores da Argélia, estabeleceu a relação que existe entre a ocupação militar do Haiti e a política de guerra que o imperialismo aplica em sua região (norte da África), o que inclui uma ameaça de intervenção no seu próprio país (uma resolução particular sobre Argélia foi adotada na parte final da conferência).

Suzanne Ross, dos EUA, leu uma carta de Mumia Abu Jamal (ativista negro preso nos EUA há mais de 25 anos). As delegadas do Brasil, cujo governo é responsável pelo comando militar da Minustah, Juliana Cardoso, Cátia Silva e Sonia Santos, tomaram a palavra para expressar solidariedade e comprometer-se com a continuidade da luta.  Os delegados do México, França, Guadalupe, Martinica, reforçaram o clima combativo e antiimperialista que marcou a conferência.

Compromisso final
Na tarde do dia 1º foi apresentada à conferência uma proposta de resolução que havia sido trabalhada por uma comissão, composta na véspera, com delegados de diferentes países e organizações locais. Coube ao dirigente da União Geral dos Trabalhadores de Guadalupe, Eddie Delmas, apresentá-la. Depois de receber emendas, discutidas parágrafo por parágrafo, ela foi adotada por unanimidade num clima de alegria, determinação e vontade reforçada de seguir na luta.

Os discursos de encerramento foram feitos pelo senador Jean Charles Moise e por Fignolé Saint-Cyr, que chamou todos os membros do comitê organizador haitiano e as delegações internacionais a ficarem ao seu lado, enquanto reforçava o compromisso de luta que havia sido assumido: não descansar até a liberação total do Haiti de toda força de ocupação militar estrangeira, a começar por organizar a semana de luta pela retirada das tropas da ONU do Haiti, de 28 de julho a 3 de agosto próximos, interpelando todos os governos que têm tropas ou apóiam a Minustah.

Conclusões da Conferência
Adotada por unanimidade, a Resolução final foi acompanhada por duas resoluções particulares. Uma, sobre a ameaça de intervenção dos EUA na Argélia. A outra, de apoio às reivindicações do Sindicato Mexicano dos Eletricitários (SME) em suas negociações com o governo de seu país– e também pelo compromisso de difundir a resolução do Senado do Haiti de 28 de maio, que exige a retirada da Minustah.

A Resolução adotada se dirige « aos governos dos países da América Latina e Caribe e a todos os governos implicados na ocupação do Haiti.

Ela integra os testemunhos recolhidos na conferência; critica o relatório do secretário geral da ONU, Ban Kim Moon, sobre o Haiti, feito ao Conselho de Segurança em 8 de março; relembra os governos membros da UNASUL e da CELAC (Comunidade dos Estados da América Latina e Caribe) que a presença de suas tropas no Haiti viola os próprios princípios dessas entidades (defesa da soberania e auto-determinação dos povos, inviolabilidade dos Estados membros), e conclui:

É agora, já, que cada governo pode e deve decidir retirar suas tropas. Nem um dia a mais para a Minustah no Haiti!  

No quadro de uma ampliação, dentro da mais ampla unidade em nossa campanha determinada pela saída imediata da Minustah, a Conferência mandata os portadores desta resolução a fazer chegar de forma urgente  a nossa exigência unânime a todos os governos :
-          Retirem imediatamente suas tropas do Haiti!
-          Votem na ONU contra a renovação da presença da Minustah no Haiti !
-          Manifestem sua solidariedade com o povo haitiano exigindo da ONU a indenização das vítimas do cólera!    
     
Nós, delegados reunidos em Porto Príncipe na Conferência continental pela retirada das tropas da Minustah :
-           Saudamos todas as iniciativas de mobilização ocorridas em todo o continente neste 1º de junho de 2013, 9º aniversário da ocupação do Haiti, para exigir a retirada das tropas da ONU.
-          Decidimos constituir uma coordenação continental « Defender o Haiti é defender a nós mesmos » afim de prosseguir e reforçar  a solidariedade e unidade dos povos através de uma campanha permanente até a retirada das tropas de ocupação do solo haitiano. 
-          Propomos fazer da semana de 29 de julho a 3 de agosto de 2013, uma semana de mobilização continental nos diferentes países : atos públicos, manifestações, delegações, interpelações aos governos, petições.
Nos engajamos desde já, se  for necessário, na preparação de uma nova delegação à sede da ONU, em outubro de 2013, momento da ratificação da renovação das forças da Minustah.

Além das 10 delegações presentes na Conferência, que foram reforçadas com mensagens de personalidades e entidades vindas de seus respectivos países, ainda foram recebidas mensagens de apoio do Uruguai (onde a central PIT-CNT organizou uma vídeo-conferência que acompanhou ao vivo a discussão em Porto Príncipe), da Bolívia (onde a Radio Nacional de Huanuni, do Sindicato dos Mineiros, fez um programa especial sobre o Haiti), de Trinidad-Tobago, Equador, Peru e República Dominicana.

A delegação brasileira
 A delegação do Brasil na conferência estava composta por: Julio Turra, pela CUT nacional; Juliana Cardoso, vereadora do PT, em nome da Câmara Municipal de São Paulo; Bárbara Corrales, pelo Comitê “Defender o Haiti é defender a nós mesmos”; Cátia Silva, pela Secretaria de Combate ao Racismo do PT-SP; Sônia Santos, representando o Movimento Negro Unificado (MNU); Douglas Mansur, diretor dos Sindicatos dos Jornalistas de São Paulo (filiado à CUT); além dos militantes do MST, Guto e Jéssica, que fazem parte da Brigada Dessalines da Via Campesina que atua no Haiti.

Repercussões no Haiti
 O jornal “Le Nouvelliste”, o mais antigo e importante do país, deu matéria de duas páginas intitulada “Dois dias de mobilização pela retirada da Minustah”, repercutindo o ato público de 31 de maio e a conferência. Abaixo trechos extraídos da matéria:

“O senador Moise disse que a resolução adotada no Senado, exigindo a saída da Minustah, será dada a conhecer em vários Parlamentos no mundo, particularmente nos países que têm tropas no Haiti: ‘Agora chegamos à fase deste movimento em que vamos impedir que a comunidade internacional e os 5% que detém a quase totalidade da riqueza nacional se apropriem dos recursos naturais do país’, falou o senador diante de várias centenas de pessoas reunidas ao pé da estátua de Dessalines no Campo de Marte. ‘Nenhum governo, nenhuma potência estrangeira poderá impedir que esta resolução atinja seu objetivo, preparem-se para festejar a saída da Minustah, pois ela sairá do país em maio de 2014’, acrescentou o principal opositor do poder de turno, Jean Charles Moise. (...)

‘Estamos prontos a apoiar as iniciativas tomadas no Haiti pela retirada das tropas da Minustah’, disse Jacques Paris, representando o Partido Operário Independente da França. ‘Esse combate se integra ao nosso, contra a guerra e a exploração’ (...)

Julio Turra, da direção executiva da CUT do Brasil, disse que o povo brasileiro não é o responsável pela presença dessa força no Haiti. ‘An n pote kole pou Ministah ale’ (todos juntos, fora a Minustah) disse ele no Campo de Marte, num crioulo com forte sotaque português, em meio aos aplausos da massa reunida diante do palco montado para a ocasião. ‘Se queremos que o Brasil seja soberano, é preciso respeitar a soberania do povo haitiano’, prosseguiu o brasileiro. (...)
Salim Labatcha, deputado argelino, também exigiu que as tropas estrangeiras regressem aos seus países. Segundo ele, ‘o Haiti não deve ser tutelado, chegou a hora da ONU retirar suas tropas do solo sagrado do Haiti’, concluiu o parlamentar argelino.”

Entrevista na rádio
No intervalo da sessão de 1º de junho da conferência, vários delegados internacionais, acompanhados do senador Moise e do sindicalista Fignolé, foram entrevistados num programa de grande audiência na Rádio Caraibe. A chegada do grupo interrompeu um debate entre governo e oposição que estava se dando ao vivo.

Durante mais de meia hora, delegados e delegadas se dirigiram aos ouvintes argumentando pela retirada da Minustah, dentre eles Juliana Cardoso e Julio Turra, o argentino Pablo Micheli (CTA) e Nellie Ostner, do movimento negro dos EUA.

*matéria publicada no Jornal O Trabalho www.otrabalho.org.br 

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