Defensores de vítimas haitianas do surto letal de cólera que primeiro atingiu seu país três anos atrás revelaram estar tomando na quarta-feira a medida extraordinária de mover uma ação judicial contra as Nações Unidas, alegando que a força de paz da organização no Haiti foi responsável pela introdução da doença, através do esgoto contaminado vindo de seu quartel.
A ação judicial, que segundo defensores seria aberta na Corte Distrital dos EUA em Manhattan na manhã da quarta-feira, será a medida mais contundente adotada por eles para pressionar a ONU a reconhecer pelo menos parte da culpa pela epidemia de cólera, doença altamente contagiosa transmitida pelas fezes humanas e que estava em grande medida ausente no Haiti havia cem anos.
Desde que a doença primeiro reapareceu em outubro de 2010, mais de 8.300 pessoas morreram e 650 mil adoeceram de cólera no país, o mais pobre do hemisfério ocidental. O pior da epidemia já passou, mas ela ainda mata cerca de mil haitianos por ano.
Força de paz da ONU é acusada de introduzir a cólera no Haiti
Autoridades da ONU disseram estar engajadas com a erradicação do cólera, mas não reconheceram que a organização tenha sido responsável inadvertidamente pelo surto. Também declararam imunidade diplomática contra acusações de negligência, postura essa que enfureceu profundamente muitos haitianos, que a vêem como traição dos princípios das Nações Unidas.
Ao mesmo tempo em que dependem da ONU para ajudar a manter a estabilidade e fornecer outros serviços importantes, líderes haitianos expressam insatisfação com a questão do cólera. Em discurso feito na quinta-feira passada na abertura da Assembleia Geral anual da ONU, o primeiro-ministro do Haiti, Laurent Lamothe, falou da "responsabilidade moral" da ONU pela epidemia, dizendo que os esforços para combatê-la têm sido insuficientes.
Estudos forenses, incluindo um encomendado pela própria ONU, identificaram a bactéria responsável pelo surto como sendo uma variedade asiática levada ao Haiti por membros nepaleses da força de paz da ONU, conhecida como Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti, autorizada inicialmente em 2004 e que mantém no país cerca de 8.700 soldados e policiais originários de mais de 35 países membros. Os estudos forenses também ligaram a difusão do cólera ao sistema falho de esgotos na base das forças de paz nepalesas. Os esgotos em questão contaminaram um afluente que desemboca no maior rio do Haiti, cuja água é usada pelos haitianos para beber e tomar banho.
Beatrice Lindstrom, porta-voz do Instituto de Justiça e Democracia no Haiti, o grupo de defesa dos direitos humanos, com sede em Boston, que redigiu a ação judicial, disse em entrevista telefônica que os querelantes citados são cinco vítimas do cólera que buscam reparação para elas mesmas e todos os haitianos atingidos pela doença, além de seus familiares. Lindstrom disse que o instituto decidiu mover a ação em Nova York porque a cidade abriga a sede da ONU e possui uma grande população de expatriados haitianos.
"Estamos pedindo ao juiz que responsabilize as Nações Unidas", disse Lindstrom. "A ONU violou suas obrigações legais, por meio de ações insensatas que levaram o cólera ao Haiti." A ação não especifica valores de indenização pedidos, algo que, segundo Lindstrom, "será determinado no julgamento da ação".
Está longe de certo que a ação judicial será aceita pelo tribunal, que oferece amplo escopo a proteções diplomáticas para a ONU contra litígios desse tipo. Essas proteções se baseiam em parte nas convenções legais formais criadas na fundação da ONU, após a Segunda Guerra Mundial. "A visão majoritária é que a ONU e entidades a ela filiadas são imunes a ações judiciais domésticas", comentou o professor de direito internacional Jordan J. Paust, do Centro de Direito da Universidade de Houston.
Oito meses atrás Ban Ki-moon, o secretário-geral da ONU, informou líderes haitianos que a ONU não aceitaria pedidos de indenização feitos por vítimas da epidemia de cólera. Ele citou um dispositivo da Convenção sobre os Privilégios e Imunidades da ONU.
Lindstrom disse que a ONU também rejeitou as tentativas feitas por seu grupo de tratar do problema. "A ONU se recusou a sentar-se para uma conversa com as vítimas ou conosco", disse ela.
Falando na terça-feira desde sua sede em Genebra, Navi Pillay, a alta comissária de direitos humanos da ONU, sugeriu que as vítimas do cólera no Haiti teriam direito a alguma compensação, mas não especificou quem deveria fornecê-la.
Farhan Haq, um porta-voz de Ban Ki-moon, negou-se a comentar a ação judicial, mas disse que a ONU continua engajada em ajudar o Haiti a superar o surto.
"As Nações Unidas estão trabalhando em campo com o governo e a população do Haiti para dar assistência imediata e prática aos afetados e para criar infraestrutura e serviços melhores para todos", ele disse.
fonte: www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/10/1353970-defensores-dos-direitos-humanos-processam-onu-por-epidemia-de-colera-no-haiti.shtml
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