Haiti – Universidade/Minustah:
Capacetes azuis brasileiros perturbam
as aulas na Faculdade de Ciências Humanas
Porto
Príncipe, 18 de junho de 2012 [AlterPresse] –
Militares brasileiros da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti
(Minustah) tentaram, por três vezes, penetrar no dia 15 de junho no recinto da
Faculdade de Ciências Humanas (Fasch) da Universidade do Estado do Haiti,
provocando perturbação das aulas e desordem, que tiveram como saldo a quebra de
vários para-brisas de carros, constatou a agência AlterPresse.
“Não sabemos a razão desta visita
delinquente e inoportuna. Foi um pânico generalizado. Não sabíamos a quem
recorrer”, declarou o coordenador da faculdade, Hancy Pierre, à AlterPresse.
Pierre acredita, porém, que “eles se
enganaram de endereço. Eles devem ir ao Palácio Nacional, como força de
ocupação, para fazer a segurança do presidente Michel Martelly. É uma vergonha
para o país”.
A Associação dos Comunicadores e das
Comunicadoras Populares (Akp), o Círculo Gramsci e o Círculo de Estudos e de
Intervenção no Trabalho Social (Ceits), com sede na Fasch, condenaram
conjuntamente “a agressão da Minustah contra um espaço inviolável do país e
reclamam uma explicação aceitável das autoridades do país”.
“Estamos prestes a encerrar o período
letivo. Eu me pergunto se esses ocupantes vieram para assistir às aulas. De
toda maneira, eles deveriam antes passar nas provas para entrar na faculdade. E
suas armas não são canetas para tomar notas”, ironiza Pierre, ainda que
visivelmente nervoso.
O coordenador convidou o presidente
Martelly “a utilizar os soldados da Minustah, especialistas em violações,
roubos e cólera, na sua segurança no Palácio Nacional, em vez de deixá-los
perturbar as atividades daqueles que fazem a educação com E grande”.
Pierre assinala que a faculdade
pretende exigir explicações do Conselho Superior da Polícia Nacional, porque “a
força de ocupação não pode vir intimidar os estudantes depois de haver
contaminado o país com o vírus da cólera e violentado mulheres e homens”.
“Nós não aceitamos este disparate da
Minustah. Não vamos tolerar que venham asfixiar nossas mulheres e nossas
crianças com gás lacrimogêneo. Se vierem provocar os estudantes na faculdade
mais uma vez, todo o bairro reagirá. Não havia nenhuma desordem no bairro”,
avisa Dieunord Joseph, morador do beco Le Hasard, onde se situa a Fasch.
Eles sabem muito bem que não se pode
penetrar no recinto de uma faculdade com armas”, continua Joseph.
Os
fatos da agressão - Os estudantes assistiam
tranquilamente a suas aulas quando foram alertados da presença dos “visitantes
indesejados”. Era por volta das 11 horas da manhã. Pânico geral. As aulas foram
interrompidas.
Diante dos soldados, os estudantes
fecham o portal. Nervosos, os brasileiros atiram balas de borracha e lançam uma
granada de gás lacrimogêneo para o interior da faculdade, quebrando, entre
outras coisas, persianas.
“Não deixamos de lembrá-los de que não
há ninguém a violar na Fasch e que não temos necessidade de que eles venham nos
infectar com a cólera”, explica uma estudante à AlterPresse.
Uma colaboradora da AlterPresse no
interior do consórcio de mídia “Ayiti Kale Je” se vê obrigada a interromper a
aula de jornalismo investigativo que dava a estudantes de comunicação social.
Quase 14 horas. Os militares voltam à
carga. Eles deixam o jipe na avenida Christophe e sobem a pé a pequena colina
que dá acesso à faculdade, munidos de capacetes, escudos e mantos. E, uma vez
mais, a barreira da faculdade é fechada.
“Nós íamos enfim conseguir o quórum de
30 delegados para poder realizar a assembleia mista e decidir sobre o processo
eleitoral e outras questões relativas à faculdade, quando eles (os soldados)
vieram estragar tudo”, explica o professor Roosevelt Millard, membro da direção
da assembleia mista representativa da Fasch.
Quase 16 horas. O terceiro horário de
aulas deve começar. Alguns estudantes e funcionários traumatizados, temendo
represálias por parte da força da ONU, já deixaram o recinto da faculdade.
Outros, reunidos em pequenos grupos, discutem. “O que eles vieram fazer
exatamente?”, pergunta um deles.
Os professores chegam, entre os quais
Ary Régis, que se espanta ao saber da visita dos capacetes azuis da ONU.
“Mas... o que eles vieram fazer?” questiona-se o professor de grandes olhos,
atrás do volante do seu carro.
Essa questão está em todas as bocas e
parece não encontrar resposta.
Todo mundo está na sala. Mais de uma
dezena de aulas estão para se iniciar, quando se veem estudantes a correr em
todas as direções. “Minustah! Minustah! Minustah! Eles voltaram para nos
atacar!”, gritam. E as salas de aula se esvaziam.
Mais uma vez... soldados brasileiros
da Minustah voltam e tentam entrar na faculdade. A barreira novamente é
fechada. Eles permanecem mais de trinta minutos em posição de tiro. E chovem
xingamentos da boca dos estudantes. “Vão embora! Vão meter a paz em seu país!
Vão acalmar a desordem nas favelas! Deixem-nos estudar. Não há cabritos para
roubar! Não há mulheres e rapazes para violar aqui. A Fasch é um espaço
inocupado”, gritam os estudantes.
Vaval Josué, professor do Departamento
de Psicologia, quer sair para falar com eles. Várias pessoas o dissuadem, com
medo que ele não seja bem tratado pelos soldados, que já haviam ameaçado um
estudante que filmara uma parte da cena da manhã.
A
Fasch, um desafio para a Minustah - Desde o
desembarque da força da ONU no país, em 2004, várias personalidades da Fasch,
entre as quais o professor Jan Anil Louis-Juste, assassinado em 12 de janeiro
de 2012, qualificaram sua presença como “ocupação”.Varias organizações
estudantis manifestaram abertamente sua hostilidade à presença da Minustah, por
meio de notas de imprensa, cartazes, bandeiras ou faixas erguidos na entrada da
faculdade.
Um painel com as letras UN (de ONU)
riscadas, ocupou durante muito tempo a entrada da faculdade.